Desde 2016, Prefeitura de SP já mandou para leilão mais de 290 apartamentos da Cohab por inadimplência

  • 13/01/2025
(Foto: Reprodução)
Segundo a gestão municipal, 295 unidades foram levadas a leilão, o que corresponde a 0,9% da carteira cedida pela Companhia São Paulo de Desenvolvimento e Mobilização de Ativos (SPDA). Defensoria Pública manifesta preocupação com a situação enfrentada pelos moradores. Família teme ser despejada por dívida com a Cohab Reprodução/TV Globo A Prefeitura de São Paulo, através da Companhia São Paulo de Desenvolvimento e Mobilização de Ativos (SPDA Habitação), já leiloou, desde 2016, 295 unidades habitacionais da Companhia de Habitação Popular (Cohab). Segundo o Executivo municipal, a SPDA Habitação gere 21.675 contratos e, desse total, 295 foram levados a leilão, o que corresponde a 0,9% da carteira cedida à empresa. Outros imóveis poderão ir a leilão, já que a Defensoria Pública conseguiu uma suspensão de 120 dias em setembro de 2024, e o prazo venceu em 6 de janeiro deste ano. Uma das funções da SPDA é a de entrar em contato com os devedores para fazer um refinanciamento das dívidas e, ao conseguir contato e fechar a negociação, as famílias têm acrescidas em seus contratos a cláusula de alienação fiduciária. Na prática, isso significa que o bem financiado é a garantia do pagamento da dívida. Quando o pagamento não é feito em dia, a SPDA pode tomar o imóvel e colocá-lo em um leilão no mercado, ou seja, para que qualquer interessado o arremate. A empresa opera na cidade desde 2016, quando o então prefeito Fernando Haddad repassou a responsabilidade de cobrar os inadimplentes. Esquema de renegociação de dívidas com a Cohab Reprodução/TV Globo O pesquisador do Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidad), Vitor Inglez, manifesta preocupação com essa situação. "A cláusula de alienação fiduciária é um dispositivo contratual que tem como objetivo favorecer a recuperação de um crédito, favorecer a recuperação de uma dívida pelo seu credor. E isso é feito colocando como garantia dessa dívida um bem. Nesse caso, o bem é o imóvel, a moradia de uma família produzida por uma política pública habitacional. Com a cláusula válida, fica permitido que o credor retome esse bem, retome a garantia sem a mediação do Poder Judiciário, ou seja, coloca essa moradia em leilões extrajudiciários, onde qualquer pessoa, física ou jurídica, pode arrematar esse bem para saldar essa dívida", explica. "Na nossa avaliação", afirma, "trata-se de uma incompatibilidade com a política habitacional. Afinal, qualquer pessoa pode comprar esse imóvel produzido por política pública sem necessariamente atender aos critérios dessa política pública". O professor de direito imobiliário da Faculdade Getúlio Vargas (FGV), Luciano Godoy, pondera sobre a situação: "É prática você cobrar quem está devendo, até para ser um elemento de justiça em relação a quem paga. Se alguém paga em dia, quem não paga em dia precisa ser cobrado. E se não paga em dia e não tem como responder por essa dívida, o normal é que a garantia seja executada, e a pessoa perca o imóvel. Esse instrumento chama alienação fiduciária." "No caso da política urbana de habitação, como é o caso da Cohab, é preciso um esforço maior que o normal para a renegociação já que, na verdade, você vai devolver para a rua, em uma condição de sem teto, uma pessoa que já conseguiu com muita dificuldade pagar até 70%, 80%, 90% do financiamento. Então, a prefeitura e a própria Cohab precisam fazer um esforço de renegociação, precisam dar um período de carência para pessoas desempregadas. Precisam olhar isso com um olhar social de uma política pública de habitação social", destaca. "Outra coisa: quanto menor a renda do cidadão, a política pública de subsídio de juros e de alongamento do parcelamento e possibilidade de refinanciamento tem que ser maior. A Constituição Federal, no artigo sexto, garante o direito à moradia. Moradia não é só um teto, é o direito de ter um endereço para você poder matricular um filho na escola, é o direito da pessoa ter uma carteira de trabalho, um comprovante de residência, poder abrir uma conta em banco e ter acesso a benefício social." Rose Mitone, ativista social e líder do Movimento Reaja, questiona a situação das pessoas que moram na Cohab de Cidade Tiradentes, a mais afetada pelas cobranças e pelos leilões. "Moradia não é um privilégio, moradia é um direito. Um direito que está na Constituição. Esses imóveis são moradia popular. A Cohab passou essa carteira para a prefeitura, junto com o SPDA, que é uma empresa securitizadora, e hoje esta empresa está cobrando essas pessoas, mandando boleto para essas pessoas." "São valores de R$ 20 mil, R$ 30 mil, até R$ 69 mil. É impossível uma pessoa pagar uma parcela única de R$ 69 mil. Essas pessoas são pobres, a maioria são mulheres, idosos e temos casos de uma pessoa que está com processo da Defensoria Pública e que está com câncer. Ela está com câncer e ela está com chances de ser despejada", conta. E emenda: "A gente queria negociar, discutir, afinal, ninguém quer morar de graça. Hoje aqui só do meu movimento são mais de 400 pessoas. No total, que a gente tem conhecimento, mais de 8 mil famílias que estão correndo esse risco. A maioria que assinou esse contrato não sabe o significado dessa cláusula. A meu ver, isso é desvirtuamento da moradia popular, porque você dá com uma mão e tira com a outra, é uma incongruência". "Muitas pessoas, se saírem, vão para a rua. Então, na verdade estão fazendo o quê? Uma fábrica de sem-teto? A gente está implorando para que as autoridades competentes façam alguma coisa. O que a gente gostaria de sugerir é que fôssemos recebidos pela prefeitura, pela SPDA. Que a gente fizesse uma negociação justa, com parcelas justas, que a gente fizesse um novo contrato para todas as pessoas pagarem direitinho. A gente não quer morar de graça." Ao ser procurada pela TV Globo, a prefeitura informou, por nota, que "oferece inúmeras tratativas e negociações com os proprietários inadimplentes de unidades da Cohab por meio de ligações telefônicas, SMS, aplicativo de mensagens instantâneas, contatos feitos pelos órgãos de proteção ao crédito e publicações em jornais e Diário Oficial. No período de negociação, o cliente tem diversas condições de facilitação para pagamento da dívida como descontos, redução de juros e parcelamento dos valores". "O SPDA Habitação gere 21.675 contratos e, desse total, foram levados a leilão 295 unidades, o que corresponde a 0,9% da carteira cedida. Nestes casos excepcionais, os recursos recebidos retornam para políticas municipais, inclusive habitacionais. Ressaltamos ainda que, sob gestão da SPDA, foram regularizados 10.844 contratos (34% da base cedida) e quitados 9.244 contratos (29% da base cedida)", diz o comunicado. Já a Defensoria Pública afirmou, também por nota, que "manifesta preocupação com a situação enfrentada por muitos moradores da cidade de São Paulo, em especial na Cidade Tiradentes, cujos imóveis, anteriormente adquiridos por meio de contratos com a COHAB, estão sendo levados a leilão devido à política de cobrança atualmente executada pelo Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), constituído pela SPDA, e atual detentor dos direitos creditórios dos contratos com a COHAB". "Entendemos que a política de cobrança vigente, que privilegia contratos com cláusula de alienação fiduciária, tem gerado um impacto desproporcional sobre as famílias de baixa renda. A inclusão da alienação fiduciária nos contratos renegociados estabelece um rito de execução célere e simplificado ao FIDC SPDA, uma vez que constado o inadimplemento e notificado o devedor, passa-se a exigir o pagamento integral do débito e, caso não ocorra, o imóvel vai a leilão, podendo ser adquirido por qualquer particular, sem o preenchimento dos requisitos necessários dos destinatários da política pública de moradia." "A Defensoria Pública reafirma seu compromisso com a defesa dos direitos dos cidadãos e continuará atuando para que soluções justas e equitativas sejam alcançadas."

FONTE: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2025/01/13/desde-2016-prefeitura-de-sp-ja-mandou-para-leilao-mais-de-290-apartamentos-da-cohab-por-inadimplencia.ghtml


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